top of page
Foto do escritorFê Chammas

TÔ APRENDENDO A FICAR PELADO

FÍSICA E EMOCIONALMENTE, TÔ NUM PROCESSO LEGAL DE APRENDER A ME DESPIR PRA FICAR MAIS CONFIANTE E CONECTADO — COMIGO MESMO E COM OS OUTROS.

*Texto publicado originalmente em 09/08/2018


Sentei agora pra escrever esse texto e, com todas as reflexões e experiências que pretendo compartilhar aqui, sei que existe a chance do conteúdo ser pelo menos um pouco polêmico. Quando me conectei com essa ideia, me veio uma velha frase que escutei muito na minha infância e adolescência, principalmente assistindo à televisão:


“Tirem as crianças da sala…”

Refletindo sobre essa livre associação que meu cérebro fez, percebo que essa frase sempre vinha nos momentos em que seriam abordados assuntos sombrios à sociedade, às famílias e aos indivíduos — em geral, sexo, violência e drogas.


Tô aqui tentando colocar em palavras a relação que percebo entre essas três coisas e, sem nenhum fundamento científico, me parece que todas as três são maneiras pelas quais os seres humanos agimos para 1. canalizar imensas concentrações de energia que temos em nós; e para 2. ativarmos descargas intensas de sensações físicas que certamente refletem em nossos padrões emocionais e psicológicos (alô pessoas estudiosas do e interessadas no tema, por favor compartilhem suas reflexões sobre o assunto).


Independentemente da conceituação em torno disso, só queria registrar que, na verdade, exatamente pela possibilidade de o assunto ser polêmico, gostaria de manter as crianças na sala enquanto o abordamos.


Certamente temos que ser cuidadosos sobre como abordamos assuntos polêmicos com crianças e adolescentes, mas me parece que já passou da hora de pararmos de criar barreiras para esconder coisas tão importantes deles porque, afinal, eles são tão humanos quanto qualquer adulto e, portanto, precisam desenvolver suas maneiras de lidar com toda energia que carregam e com as sensações que sentem e buscam e porque todos temos uma inteligência corporal e emocional, inerente ao ser humano, que já conseguimos acessar enquanto jovens.


Enfim, vamos logo ao assunto.

 

Entre os dias 25 de julho e 5 de agosto estive na comunidade ZEGG, em Bad Belzig, cidadezinha alemã a uma hora de trem de Berlim, participando de seu acampamento de verão, cujo tema foi Do Ego À Compaixão.


O nome ZEGG é um acrônimo para Zentrum Experimentelle GesellschaftsGestaltung (em livre tradução, Centro Experimental de Design Social e Cultural) e a comunidade foi criada em 1991 por um grupo de pessoas que estavam comprometidas a pesquisar, expor e encarar as verdades sobre as relações humanas, principalmente no que tange amor, sensualidade e sexualidade, pois nesses campos todos os nossos padrões se intensificam.


A grande busca por trás da iniciativa era estabelecer uma cultura de paz entre os indivíduos e, na compreensão deles, essa paz não será acessada enquanto não estabelecermos a paz entre os gêneros. Por isso, amor, sensualidade e sexualidade têm tido um papel central em seus experimentos de vida em comunidade ao longo desses 27 anos de existência.


O ACAMPAMENTO

O acampamento de verão é um evento que a comunidade realiza anualmente com a intenção de compartilhar com quem tiver interesse suas experiências, vivências e desafios em relação a vida em comunidade, sexualidade, sustentabilidade e espiritualidade.


Cerca de 300 pessoas se juntaram por esses 12 dias na comunidade, um espaço cuidado sob os princípios permaculturais, para assistir a palestras diversas sobre o tema do ano (Do Ego À Compaixão), compartilhar refeições, fazer trabalhos para o coletivo, engajar em diferentes atividades reflexivas, experimentar algumas novas sensações e, acima de tudo, conviver.


Muita sincronicidade tava me levando àquele lugar, então, claro, tinha uma energia de curiosidade viva em mim, mas eu não tinha uma imagem de como eu gostaria que fosse a experiência e nem sabia ao certo o que seria proposto.


Cheguei no evento sozinho, conhecendo somente a Bárbara, há 17 anos moradora da comunidade, que facilitou um curso que fiz no Brasil e que me falou sobre o acampamento e me ajudou com a troca de serviço meu por uma bolsa/desconto. Tive a oportunidade de dar aulas de yoga para os participantes do acampamento em troca de desconto financeiro e também ajudei algumas vezes na limpeza da cozinha.


E servir foi uma ótima oportunidade de me conectar mais ao lugar

As palestras que vimos falaram sobre sexualidade, ecologia profunda, consciência, compaixão, ativismo, ego, e tudo com muita música e teatro como suporte para manter a coisa mais compreensível e mais leve.

Fizemos um ritual com cacau (uma moda que tá rolando aqui na Europa) e tivemos muitas oportunidades de dançar e expressar com o corpo o que tá dentro da gente — tô até pegando gosto por essa história de Contato Improvisação.

Pudemos participar de círculos de discussão e reflexão sobre identidade de gênero — círculos de mulheres, de homens e de pessoas — , sobre fidelidade e sobre parcerias de longo prazo.

Também tínhamos muito tempo livre, que eu, particularmente, preenchia com leitura, cochilos na rede, violão, partidas de vôlei de areia e algumas conversas e encontros bem interessantes e estimulantes.


Uma coisa que me chamou muito a atenção foi a diversidade de momentos de vida das pessoas presentes.


Tinha o acampamento das crianças, para as famílias que vinham com os pequenos, tinha acampamento para os jovens e adolescentes, de até cerca de 14 anos.

E todos os adultos faziam parte de algum “home group” (grupos que se encontravam quase que diariamente para compartilhar e aprofundar as experiências vividas). Cada grupo tinha um tema, sendo que um era especialmente dedicado aos jovens adultos de até 26 anos e outro para os participantes internacionais.


No meu grupo, dos internacionais, éramos pouco mais de 20 pessoas de países como Venezuela, Polônia, Nova Zelândia, Romênia, Inglaterra, Estados Unidos e também da Alemanha, e tinha gente na casa dos 20 (eu era o mais novo, com 27), dos 30, 40, 50, 60 e 70. Tinha gente solteira, tinha gente em parceira de longo prazo sem o companheiro presente, tinha gente com o companheiro em busca de um novo formato de relação, tinha gente com o companheiro e um amante junto.


E me senti muito satisfeito com isso porque acredito que as provocações feitas ali, sobre ego, sobre compaixão, sobre vida em comunidade e sobre a expressão de nossos seres de maneira livre devam estar na pauta de todo mundo. Sem demagogia, sem pressão e sem doutrinação, mas presentes para que possamos refletir sobre qual a nossa maneira individual de lidar com toda essa liberdade proposta e, mais ainda, sobre aceitar as manifestações dos outros sem reprimí-los por estarmos nocivamente identificados com medos e conceitos que temos enraizados dentro de nós.


AMOR LIVRE

Uma bandeira que eles levantam de maneira intensa e há muito tempo é o amor livre.


Quando ouço esse termo, o sinal de polêmica já dispara dentro de mim.

Um tanto pela reatividade com a qual vejo pessoas ao meu redor lidarem com o assunto, mas acho que, acima de tudo, porque esse é um assunto não resolvido dentro de mim.


Na minha cabeça eu já entendi e concordei com a ideia, 1. porque acredito que, seguindo o padrão social, frequentemente coloco muita pressão e expectativa em minha parceira, uma única pessoa que tem que responder a todos os meus anseios — uma carga bem grande a se carregar; e 2. porque já não acredito que seja possível eu não me interessar por mais ninguém além da pessoa com quem eu escolher compartilhar uma parceria de longo prazo (afinal, somos 7 bilhões de cabecinhas nesse mundão, é gente linda pra caralho!).


Mas pelas sensações que tenho quando estou em um relacionamento com alguém e penso na possibilidade de ela se envolver com outra pessoa — que vão desde um embrulho no estômago a um friozinho na espinha e uma descarga de calor pelo corpo — percebo que talvez eu não esteja pronto pra uma relação assim.


Tenho percebido que essas sensações estão fundamentadas em algumas noções culturais bem doentes com as quais eu cresci.


Algumas foram impostas pela igreja e a cultura católica do Brasil, que demoniza o sexo (da maneira que lhe convém), cria uma série de tabus e exalta os sacrifícios da fidelidade monogâmica.

Algumas outras foram impostas pelo machismo no qual essa mesma cultura está imbuída, que também é suportado pela igreja, e que constrói as percepções absurdas de que a “mulher é uma conquista do homem” e de que ”mulher casada que se engraça com outro homem é vagabunda”.

E tem ainda algumas outras que foram impostas pela Disney, que me mostrou que eu deveria ser um príncipe (seja lá o que isso signifique) e encontrar minha princesa para sermos felizes para sempre.


A partir dessas noções, crio dentro de mim uma espessa camada de medos.

Medo de ser um pecador, uma pessoa horrível que vai pagar caro por seus atos. Medo de ser desmoralizado publicamente, de ser percebido como um chifrudo, algo que é o fim para a reputação de um homem. E medo de terminar minha vida sozinho porque não soube fazer sacrifícios em nome do amor.


É a partir desses medos que reajo e crio minha realidade sensorial.

Posso vê-los agindo em mim mais intensamente nos momentos em que estou no piloto automático, ou seja, pouco presente e pouco conectado com o que tá passando realmente dentro de mim.


Me senti convidado a mergulhar mais no assunto quando entendi que, antes de mais nada, amor livre significa amor livre de medo.


Portanto, o foco primeiro é o trabalho interior — emocional, psicológico e espiritual — que posso fazer individualmente e com minha companheira se decidirmos manter uma parceria amorosa de longo prazo.


A maneira como essa liberdade vai se materializar — se vai ser em uma relação aberta, em uma relação poliamorosa ou em uma relação monogâmica — é um segundo passo que se desenvolve a partir da comunicação e da escuta entre os parceiros.


Mas o cerne da questão é eu conseguir ser transparentes antes de mais nada comigo mesmo e, então, com minha parceira.

No acampamento, tinham parceiros em uma relação aberta radical, na qual se permitem e se apoiam no envolvimento com quem quiserem e quando quiserem. Conheci um casal de mais de 70 anos, que está junto há 25, e atualmente têm uma relação poliamorosa na qual ambos tem outros parceiros estáveis — e me disseram que sua vida sexual não só segue ativa, mas também mais prazeirosa desde que se abriram para o poliamor. Vi parceiros que passam por momentos de relação aberta, momentos de relação fechada, e vão entendendo as necessidades do momento através da comunicação entre si. E também tinha gente em relação monogâmica, mas que ainda assim buscam ter uma comunicação bem transparente e sincera com seu companheiro para estimular o apoio mútuo nos assuntos da vida.


Ninguém com quem conversei disse que era fácil construir uma relação com base numa comunicação transparente.


Existe ciúme, tem drama, às vezes sai treta e tem gente que se machuca.

Mas isso tudo já existe nas relações tradicionais, né?


O que vejo como essência dessas experiências é um interesse e uma vontade de buscar apoiar-se emocional e psicologicamente, em vez de suprimir o que se passa dentro de si, porque isso não faz os sentimentos e as sensações desaparecerem — pelo contrário, as chances de eles crescerem e saírem do controle são altas.


Tem gente que, como eu em algum momento, vai se perguntar “pô, mas e aí, se eu tiver um relacionamento livre e puder me relacionar com muitos parceiros, como é que vou construir uma família, ter filhos e criá-los de maneira saudável?”.


Como comunidade, a ZEGG questiona também a noção de que livre sexualidade e parcerias de longo prazo são necessariamente incompatíveis.


Primeiro porque ter um relacionamento abert não significa sair transando com todo mundo que der vontade ou participando de orgias de maneira indiscriminada. Segundo porque a possibilidade de se relacionar com outras pessoas para além da tua relação estável vem de um lugar de amor, que pode se manifestar de muitas maneiras, inclusive sexualmente — e a ideia é que para desenvolvermos amor por alguém não precisamos deixar de amar quem amamos no momento.


Não concordo com tudo que a ZEGG prega como comunidade e nunca pratiquei a maior parte desses conceitos, mas me parece que, para que todas essas ideias sejam praticadas, é necessário muita transparência e clareza na comunicação, com cuidado, acolhimento e compreensão em relação ao que se passa com o outro. E essa postura eu valorizo — muito!


FÓRUM ZEGG

A partir das vivências que a galera da ZEGG se propôs a experimentar, eles perceberam a necessidade de transformar em hábito a prática de comunicar abertamente o que se passava dentro de si.

Desenvolveram, então, uma ferramenta chamada Fórum.


O Fórum consiste em um círculo de pessoas que se juntam para construir um espaço emocionalmente seguro, no qual qualquer um possa acessar o centro para compartilhar e pesquisar mais sobre o que está vivo dentro de si no momento. O grupo, que assiste a esse compartilhar, cria uma energia de suporte a partir da noção de que tudo que um ser humano vive, enfrenta e sente não pertence somente a si, mas a toda a humanidade — pois, de uma maneira ou de outra, todos vivemos anseios e buscas semelhantes.


Assim, o grupo busca compreender e acolher o que está sendo compartilhado, em vez de julgar e pormenorizar os desafios alheios.


Em resumo, a dinâmica é a seguinte:

// O círculo é composto por um grupo de pessoas que tenham alguma coisa em comum — estão no mesmo acampamento de verão, trabalham na mesma empresa ou vivem na mesma comunidade

// Há 2 facilitadores que engajam ativamente com a pessoa que está no centro, dando-a suporte emocional e apoiando sua pesquisa com escuta ativa, perguntas estimulantes, técnicas corporais e teatrais

// O Fórum pode ter um tema específico — amor, sexualidade, família, trabalho, dinheiro, poder, sonhos — ou pode ser aberto, sobre qualquer tema da vida

// Nesse contexto, posso ir ao centro do círculo e compartilhar o que eu quiser — através da fala, de movimentos, de música

// Os facilitadores me dão o suporte para aprofundar pelo menos algumas camadas no assunto e tentar acessar as origens dos sentimentos — aí rola choro, grito, riso, dança, clarões

// Uma vez que ambos os lados — eu e os facilitadores — concordemos que foi o suficiente, volto e me sento em meu lugar

// Se eu quiser, posso receber espelhos, dinâmica pela qual as pessoas do círculo podem acessar o centro para refletir o que viram, ouviram e sentiram durante meu compartilhar

// Posteriormente, se alguém quiser trazer a conversa para o particular, sugere-se perguntar à pessoa que compartilhou se ela está confortável e quer falar mais sobre o assunto


E a vida segue.

Meu primeiro contato com essa metodologia foi no Guerreiros Sem Armas, em julho do ano passado, e comecei a estudá-la em outubro.


Já falei sobre dinheiro, sobre minhas inseguranças sobre estar “jogado no mundo”, sobre sexo, sobre amor, sobre meu pai. E já tive a oportunidade de escutar e espelhar casais que compartilharam seus desafios no centro, pessoas depressivas sem saber se querem seguir vivendo, gente aprendendo a manifestar a raiva que tem dentro de si.


Tenho ficado cada vez mais interessado pela ferramenta porque vejo algumas coisas acontecerem.


A primeira é que me coloco extremamente vulnerável quando compartilho o que há em mim. Posso falar sobre minha relação amorosa, e minha parceira vai estar ali escutando. Posso falar sobre minhas dificuldades com dinheiro e talvez meu chefe esteja ali. Posso falar dos meus medos e inseguranças, e meus familiares podem estar na roda. Me faço transparente, tiro os escudos e, com essa intenção, me abro para ser ajudado.


Compartilhando, dou ao grupo a oportunidade de entender melhor “de onde eu venho” e por que tomo algumas atitudes de determinadas maneiras. Isso estimula a compaixão e a compreensão e, por consequência, desestimula a reatividade em nossas relações.


Percebo também que, em geral, as pessoas se identificam com pelo menos uma parte do que estou passando, elas veem um pouco de si mesmas em mim. Isso aprofunda nossa conexão e a capacidade de nos apoiarmos.


Através da facilitação, posso acessar sensações que até então não havia conseguido ter. Simulo situações para ver como me sinto, elaboro frases que me representam, ganho clareza sobre o que realmente quero e busco.


E quando recebo espelhos, percebo que 1. posso contar com minha comunidade, que não está me julgando e diminuindo por ser quem sou e explicitá-lo; e 2. ganho novas perspectivas sobre minha própria história, vejo-a por um ângulo novo e, possivelmente, percebo coisas que, até então, não estavam claras para mim.


Toda essa prática vai de encontro com a ideia que a ZEGG traz de que, para construirmos uma nova maneira de nos relacionarmos — como amantes, amigos, comunidade ou família — precisamos de uma rede de suporte. Dificilmente vamos conseguir mudar nossos hábitos de relacionamento sozinhos ou a dois, pois sempre bateremos de frente com a força brutal da cultura que nos envolve.


Tendo uma comunidade de apoio e transformando práticas de transparência em hábito, não preciso ter medo de ser quem eu sou ou de aceitar o que sinto e quero. Aprendo a acessar as raízes dessas vontades e sentimentos e conto com uma rede que suporta minha pesquisa sem me crucificar.


Pra mim, o resultado disso tudo é muito massa porque vejo que, ao desprivatizar meus assuntos pessoais, posso largar minhas máscaras e acessar um lugar mais confortável para encarar a verdade e pedir ajuda quando necessário.


FIDELIDADE

Um dos temas discutidos durante o acampamento de verão que mais me chamou atenção foi fidelidade.


Começando pelo sentido mais óbvio do conceito, de ser fiel ao parceiro amoroso, acredito que pela primeira vez pude vê-lo subvertido de maneira tão ampla e explícita. Só o fato de ver casais com um amante oficial, de comum acordo, já deu uns nozinhos na minha cabeça. Mas, apesar de eu não estar acostumado a ver isso na prática, já acessei a ideia de que ser fiel não está relacionado a regras estáticas, mas depende dos acordos feitos entre os parceiros.


O meu grande clarão sobre o tópico foi ao perceber que tenho um desafio grande relacionado a ser fiel a mim mesmo.


Minha tendência ao entrar em relações amorosas é colocar muita atenção e expectativa na minha troca com a outra pessoa.


Tenho percebido que uma das maneiras pelas quais busco sanar minha necessidade de pertencimento é encontrar um amor e construir uma família. Tenho forte dentro de mim o sonho de ter uma família, ter filhos, e quando encontro alguém que supre os pré requisitos conscientes e subconscientes, entendo que estou próximo de realizar meu sonho e aí entro num ciclo que identifiquei recentemente.


Me comprometo profundamente e me coloco muito disponível à outra pessoa a ao nosso relacionamento, e tenho dificuldade de comunicar minhas necessidades por medo de ser o cara que pede demais ou é egoísta, pois isso pode cagar tudo e afastar a outra pessoa e, portanto, impedir que eu realize meu sonho.

O problema é que, de tanto não comunicar minhas necessidades, acabo deixando de exercer minha liberdade — o que, muitas vezes, é algo tão simples quanto sair de rolê sem me preocupar com que horas vou voltar, sem ter uma vozinha no fundo da minha cabeça dizendo “cê tinha que dar mais atenção pra tua companheira”, ou dizer que estou com ciúmes de alguém, o que não faço porque “tenho que dar toda a liberdade do mundo a minha companheira, se não vou estar sendo machista e ela vai sair fora”.


E isso, em geral, vem bem mais de mim do que de qualquer outra pessoa.

Por não ter o hábito de comunicar coisas tão profundas sobre mim — e por não aceitá-las como sentimentos e vontades legítimas minhas — vou suprimindo minhas necessidades até o ponto em que me sinto preso. E apesar de eu ser o maior responsável pela construção dessa prisão, meu mecanismo de defesa é culpar o outro e, em busca de liberdade, me afasto dela e do relacionamento.


Me inspirei tanto quando entendi esse círculo do envolvimento que até fiz um diagramazinho dele:


De novo, volto em algo que já compartilhei em outro post: por não querer afastar a pessoa amada de mim, assumo uma série de comportamentos e acabo por querer afastá-la de mim.


Por não ser fiel a mim mesmo, acabo por trair nossa relação ao acessar um modo de defesa em busca da minha própria liberdade.

Conversando com o Zeev, o senhor Israelense de 71 anos que estava no acampamento com sua companheira poliamorosa há 25 anos (e ambos tem outros parceiros), ele repetiu algumas vezes uma frase que ficou marcada em mim:


“Felipe, faz o que você quer. Faz o que você quer e, se tua parceira não conseguir compreender, ela não era a pessoa certa.”

Poderia entender isso como uma ode ao egoísmo, mas na verdade to enxergando do seguinte ponto de vista: não posso negligenciar cuidado a mim mesmo no intuito de cuidar de uma outra pessoa e de um relacionamento.


E tô percebendo que aí é que mora meu desafio em relação a fidelidade. Ter coragem o suficiente para encarar e aceitar o que tá rolando dentro de mim sem repressão. Aí, talvez, quando eu já não tiver medo de encarar o que passa dentro de mim, nem de como as pessoas ao meu redor vão me julgar, eu possa começar a ser verdadeiramente fiel e me comunicar de maneira íntegra e transparente.


O CORPO

Durante o acampamento, fui ativa e intensamente convidado a incorporar essa ideia de transparência.


Eu não esperava por isso, mas, sim, a galera ficava pelada com a naturalidade de quem toma um copo d’água.


Nesses momentos “escancaradores da verdade”, meu eu conservador ganha espaço.

Foi no primeiro dia de manhã, voltando da minha prática de yoga, quando tava passando pelo gramado perto da piscina, que vi uma galera pelada desfrutamento do momento — uns se abraçando, outros lendo, uns se alongando e outros somente curtindo o sol.


Imediatamente me veio o pensamento de “ai, carai, que que eu faço? Cumprimento? Finjo que não vi?”.


Virei a cara e apertei o passo.

Fui pegar minhas coisas na barraca pra tomar banho. Quando chego nos chuveiros a céu aberto, dou de cara com mais uma galera pelada — pais e mães tomando banho e dando banho nos filhos, senhoras, senhores, jovens adultos.


Eram três chuveiros literalmente juntos e todo mundo tava agindo na maior naturalidade, até batendo aquele papinho matinal de boa vizinhança.

Me deu um friozinho na barriga e fiquei mexendo na minha necessaire por uns momentos, enquanto criava coragem pra ficar pelado e entrar no chuveiro.


Um filminho — rápido, porém profundo — passou pela minha cabeça:

“Vish, vou ficar pelado aqui com essa galera? Mas tem criança ali dentro…”
“Puts, o marido da mulher tá ali também. Que chato…”
“Será que vão me achar feio, peludo? Será que vão achar meu pinto pequeno?”
“Caraio, e se eu ficar de pinto duro ali?”

Sim, todos esses pensamentos passaram pela minha cabeça durante aquele minuto e meio em que mexia na minha necessaire na busca mais longa da história pelo sabonete e pelo pente.


Respirei fundo, tirei o shorts e fui.

E acredita que ninguém deu a mínima pra mim?

Ninguém riu, ninguém fez comentário nenhum — nem em alemão.

Tomei meu banho e saí da experiência ileso e cheio de reflexões.


Tava um calor do cacete, então devo ter tomado uns 30 banhos ao longo dos 12 dias. Rolou papo, rolou ajuda com o sabonete que caiu no chão, rolou tentativa de consertar o chuveiro que tava caído.


E não rolou nenhum impulso sexual.

Fiquei pensando sobre como a conotação sexual do corpo humano tá, na verdade, na minha cabeça.


Me parece que, por ter como referência uma cultura que suprime tanto a exposição das genitais humanas, por manter o sexo como um assunto e um ato imoral, meu cérebro passa a atribuir sexualidade a qualquer pequeno acesso que tenho ao “proibido”.


Mas ali, naquele ambiente, onde falamos muito e abertamente sobre sensualidade, sexualidade e amor, e experimentamos essa liberdade, os impulsos sexuais se acalmaram. Quase como se, por não ser proibido e por ser tão natural e tão aberto, fosse possível me manter mais centrado e menos eufórico em relação ao assunto.


Corpos passaram a ser só corpos e a sexualidade só podia aflorar a partir de uma abertura, do toque e da troca consciente com o outro. E me veio a ideia de que, talvez, quanto mais sensual uma cultura se torna, menos sexualmente violenta ela está sujeita a ser.


"Quanto mais sensual uma cultura se torna, menos sexualmente violenta ela está sujeita a ser."

Outra coisa que ficou clara pra mim em relação ao corpo foi a questão de pelos em mulheres.


Se um dos meus pensamentos antes de ficar pelado na frente dos outros foi “será que vão me achar feio por ser peludo”, dificilmente vou conseguir aceitar que mulheres exerçam sua liberdade de manter seus pelos.


E que puta opressão do caralho é essa que eu faço!

Comigo mesmo e, mais ainda, com as mulheres, que são obrigadas a gastar tempo e dinheiro na depilação, sentir uma dor da porra e ainda ∫ ao fazê-lo.


Não é a primeira vez que tenho contato com mulheres que não depilam suas pernas ou suas axilas e, quanto mais convivo, mais natural se torna.


E tô adorando me perceber achando-as lindas e me sentindo atraído "mesmo com pelos". Me percebo reconfigurando meu sistema em relação a pelos e, também, aprendendo a apreciar a força das mulheres que desafiam o padrão pré determinado para seus corpos e decidem fazer o que lhes convém.


Claro, tá tudo bem alguém não gostar de pelos. E tá tudo bem as mulheres quererem se depilar — não acho que ninguém seja menos por fazê-lo. Mas me parece importante que isso venha de uma vontade própria, e não de uma opressão social e de obrigação para que elas sejam desejáveis pelos homens.


Celebro os esforços da comunidade e de todo mundo que tá na busca por uma cultura na qual um corpo nu não remeta automaticamente a sexo e na qual corpos fora do padrão exalta-juventude-magreza-depilação-competição também possam ser sexualmente atraentes.


Pra fechar essa experiência do corpo, no último encontro do nosso home group, começamos dançando, como de costume. Mas no final da terceira música, no calor de 35 graus que fazia, tava todo mundo encharcado em suor. Antes de começarmos as atividades seguintes, alguém sugeriu um banho pra refrescar. Checamos se todos estavam de acordo e pronto: bora pro chuveiro!


Tive meu primeiro banho coletivo, em 15 pessoas. Todo mundo pelado, se refrescando e nenhuma sexualidade inerente ao ato.

Toda essa experiência com o corpo tem reforçado uma percepção que venho construindo ao longo dos meus 7 anos de prática de yoga.


A percepção de que meu corpo físico e minhas expressões mais sutis — mente, psicológico, emoções — não são dissociáveis. Apesar de tentarmos fazer essa dissociação através da ciência moderna, reducionista e cartesiana, minha percepção pessoal é de que as duas coisas só podem caminhar juntas. O que sinto e penso, reflete no meu corpo. E o que faço no meu corpo — postura, exercício, alimentação — reflete diretamente na minha condição mental.


Tá claro pra mim que dificilmente vou conseguir ser emocional e psicologicamente transparente enquanto tiver tantas travas e vergonhas em relação ao meu corpo.

COMUNICAÇÃO

Mais do que ideais sobre como quero levar minha vida (amor livre, poliamor, monogamia, nudismo, etc.), o que tiro de principal e acionável de toda essa experiência é a vontade e o desafio de aprofundar a maneira como me comunico.


Principalmente através da fala, mas também através de gestos, afeto e olhares.

Muito com as outras pessoas, mas principalmente comigo mesmo.


Quero olhar com carinho pro que tá acontecendo dentro de mim.


Escutar, pesquisar, perguntar, entender.

Pra então conseguir me acolher, me aceitar, e manifestar o que quer que seja para o outro de um lugar de paz e cuidado.


Ficou forte em mim a ideia de praticar sinceridade radical.

O que, pra mim, significa um compartilhar transparente do que sinto, percebo e penso com as pessoas que amo e com quem convivo. Significa acessar assunto delicados, dores, incômodos, mas, acima de tudo, significa um desejo por conexão, aprendizado e compaixão.


Nessa linha, me liguei num traço cultural meu, e acredito que de muitos brasileiros: a ideia de sincericídio.


Sincericídio: ato simbólico de suicidar-se ao ser sincero demais.

Algo que faz muito sentido pra mim e pra muitas pessoas próximas de mim, pois é óbvio que não devemos compartilhar tudo que pensamos ou sentimos, pode ser demais para as outras pessoas.


Conversando com uma galera aqui sobre isso, ficou claro que essa ideia não faz necessariamente sentido pra todo mundo. Recebi umas reações do tipo “oxe, mas como assim é ruim ser sincero sobre o que cê sente ou pensa?” (imagine você mesmo o equivalente a “oxe” em inglês ou alemão hahahahaha).


É claro que não falo daquela sinceridade violenta, na qual vomitamos no outro coisas mal resolvidas que estão dentro de nós.

Falo da sinceridade cuidadosa, que busca gerar cumplicidade, compreensão e proximidade.


Pra isso, é claro que vou precisar dedicar muita energia e tempo para me escutar, ver e rever o que sinto e penso e de onde vem tudo isso. E claro que vou precisar de parceiros e parceiras que também estejam dispostos a mergulhar dentro de si e a me ajudar a mergulhar dentro de mim.


É desafiador e pode doer, mas sei que não precisa ser sofrido. E eu tô disposto.
9 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page